quarta-feira, 31 de março de 2010

Pedagogia da Alternância: uma prposta diferenciada


Este trabalho pretende abordar algumas representações simbólicas no universo dos camponeses/as no Brasil, bem como no Estado de Goiás, a luta para terem direito de uma alternativa de educação rural a partir da Pedagogia da Alternância.
Antes é visto a necessidade de fazer aqui uma analogia entre Pedagogia rural, do campo e da Alternância.
A Pedagogia da Alternância é uma proposta diferenciada e alternativa que se constitui no universo pedagógico como sendo uma pedagogia da resistência cultural em relação à forte hegemonia neoliberal presente na educação brasileira, principalmente, a partir da década de 90 em diante (NASCIMENTO, 2003).
Alternância significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em espaços e territórios diferenciados e alternados. O primeiro é o espaço familiar e a comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o educando/a partilha os diversos saberes que possui com os outros atores/as e reflete-se sobre eles em bases científicas (reflexão); e, por fim, retorna-se a família e a comunidade a fim de continuar a práxis (prática + teoria) seja na comunidade, na propriedade (atividades de técnicas agrícolas) ou na inserção em determinados movimentos sociais.
A Pedagogia da Alternância baseia-se num método científico. Observar, ver, descrever, refletir, analisar, julgar e experimentar, agir ou questionar (através dos Planos de Estudos na família, comunidade ou na escola), procurar responder às questões (através das aulas, palestras, visitas, pesquisas, estágios) e experimentar (fazer experimentar em casa a partir do aprofundamento). Este método está implícito na proposta de Jean Piaget, “fazer pra compreender”, ou seja, primeiro praticar, para depois teorizar sobre a prática. O princípio é que a vida ensina mais que a escola, por isso, o centro do processo ensino-aprendizagem é o aluno e a sua realidade. A experiência sócio-profissional se torna ponto de partida no processo de ensinar e, também, ponto de chegada, pois o método da alternância constitui-se no tripé ação – reflexão – ação – ou prática – teoria – prática. A teoria está sempre em função de melhorar a qualidade de vida.
Alternância significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em espaços e territórios diferenciados e alternados. O primeiro é o espaço familiar e a comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o educando partilha os diversos saberes que possui com os outros atores e reflete sobre eles em base científica (reflexão); e, por fim, retorna-se a família e a comunidade a fim de continuar a práxis (prática + teoria) seja na comunidade, na propriedade (atividades de técnicas agrícolas) ou na inserção em determinados movimentos sociais.
As Casas Familiares Rurais tiveram início na França em 1935 no povoado de Lot et Garonne. A iniciativa partiu de um grupo de pais agricultores que buscavam solucionar dois grandes problemas. De um lado, as questões relacionadas ao ensino regular que, por ser direcionado para as atividades urbanas, levava os adolescentes campesinos a abandonar a terra. E de outro lado, a necessidade de fazer chegar ao campo a evolução tecnológica de que precisavam. Criaram então a primeira “Casa Familiar Rural”, lá chamada de Maison Familiale Rurale, onde os jovens passavam duas semanas recebendo conhecimentos gerais e técnicos voltados para a realidade agrícola regional e duas semanas nas propriedades rurais, aplicando os conhecimentos recebidos. Tal prática foi chamada de “Pedagogia de Alternância”.
A educação rural no Brasil apresenta uma série de elementos os quais aparecem na legislação, nas instituições pedagógicas, no currículo e mesmo nas "recomendações" dos organismos internacionais, que possibilitam traçar um esboço da educação rural brasileira a partir dos anos 30. Para a maioria das famílias rurais a passagem pela escola básica rural (do primeiro ao oitavo ano) é a única oportunidade em suas vidas de adquirir as competências que lhes permitiriam eliminar as principais causas internas do subdesenvolvimento rural. Infelizmente, essas escolas não estão cumprindo com esta importantíssima função emancipadora de dependências e de vulnerabilidades; porque os seus conteúdos e métodos são disfuncionais e inadequados às necessidades produtivas e familiares do meio rural.
Nas referidas escolas se entedia as crianças exigindo-lhes que memorizem temas de escassa e duvidosa relevância; e não se lhes ensina de maneira criativa, participativa e prática aquilo que realmente necessitam aprender para tornarem-se mais autoconfiantes, mais empreendedores, mais auto-gestores e mais auto-dependentes. Das referidas escolas continuam ingressando gerações de futuros agricultores, agricultoras, pais e mães de família, com baixíssima auto-estima, sem os conhecimentos, sem as atitudes e sem os valores que necessitam para serem agricultores mais eficientes, melhores educadores dos seus filhos e solidários protagonistas das suas comunidades.
As escolas rurais deveriam formar cidadãos dotados de mais autoconfiança pessoal e auto-suficiência técnica, de modo que possam ser eficientes corretores das suas ineficiências e ativos solucionadores dos seus próprios problemas. Adicionalmente essas escolas deveriam outorgar-lhes uma formação valorizadora que lhes inculque melhores hábitos (amor ao trabalho bem executado, iniciativa e disciplina, perseverança e desejo de superação, cooperação e solidariedade, honradez e cumprimento dos seus deveres e responsabilidades, espírito de prevenção e previdência, etc.). A educação básica rural deveria ter um caráter mais instrumental no sentido de proporcionar às crianças conteúdos úteis que elas possam aplicar na correção das suas próprias ineficiências e na solução dos problemas que ocorrem nos seus lares, propriedades e comunidades.
As unidades da Escola do Campo diferenciam-se umas das outras quanto ao conteúdo programático, adaptado à realidade de cada região, sempre de acordo com a “Pedagogia de Alternância”. Segundo esse método, o aluno passa duas semanas em casa e uma semana na escola.
Dentre as várias formas de resistência cultural ativa existem os CEFFAs (Centros de Formação Familiares em Alternância) que compreendem, no Brasil, três experiências significativas, que são: as EFAs (Escolas Famílias Agrícolas), as CFR (Casas Familiares Rurais) e as ECR (Escolas Comunitárias Rurais) que estão unidas em torno de uma mesma pedagogia, a saber: a Pedagogia da Alternância.
Em Goiás, a primeira experiência nasceu em 1992 com a fundação da Escola Família Agrícola de Goiás – EFAGO e, posteriormente, em 1998 com a fundação da Escola Família Agrícola de Orizona.
As principais características das EFAs são: a responsabilidade das famílias na gestão; a alternância dos períodos entre o meio de vida sócio-profissional e a Casa Familiar; a vida dos alunos/as em pequenos grupos e em internatos; uma equipe de formadores/as; uma pedagogia adaptada. As EFAs querem proporcionar aos jovens do meio rural uma possibilidade de educação a partir da sua realidade, da sua vida familiar e comunitária e das suas atividades. Isto é feito procurando desencadear junto aos jovens um processo de reflexão e ação que possa transformar essa mesma realidade.
A Pedagogia da Alternância é uma alternativa para a Educação no campo, já que o ensino nesse contexto não contempla as especificidades e as necessidades da população que vive no meio rural. Alguns problemas educacionais encontrados nas escolas no meio rural dão origem à necessidade de uma proposta educacional específica para o campo. Alguns problemas que podem ser enumerados são: a escola desvinculada da realidade local, a falta de recursos para atividades básicas do campo, a necessidade dos alunos ficarem na propriedade com sua família para trabalhar e terem dificuldades de acompanhar o calendário tradicional das escolas, a desvalorização da escola multisseriada e a falta de vagas nas escolas agrotécnicas.
De maneira geral, a Pedagogia da Alternância trabalha com a experiência concreta do aluno, com o conhecimento empírico e a troca de conhecimento com atores do sistema tradicional de educação, e também, com membros da família e da comunidade na qual vive o aluno e que podem fornecer-lhe ensinamentos sobre aquela realidade.
Segundo Gohn (2001), a família é caracterizada como espaço de educação informal que acontece “nos processos espontâneos ou naturais, ainda que seja carregado de valores e representações, como é o caso da educação familiar”. A educação não formal se dá na “intencionalidade de dados sujeitos em criar ou buscar determinadas qualidades e/ou objetivos”. Neste sentido, a educação não formal está presente no bairro-associação, nas organizações, nos movimentos sociais, nas igrejas, nos sindicatos, nos partidos políticos e nas ONGs.

Pedagogia da Alternância Assistam o vídeo do site da Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Santa Catarina/Epagri. Que trabalho maravilhoso.

























Bibliografia
ARROYO, Miguel G. Educação Básica e Movimentos Sociais. In: VV.AA. A educação básica e o movimento social do campo. Brasília: UnB, 1999.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1985.
ESCOLA RURAL: URBANIZAÇÃO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS, Sérgio Celani Leite, 120 págs., Ed. Cortez.
GOHN, Maria da Glória. Educação Não-Formal e Cultura Política. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2001.

PEDAGOGIA DA RESISTÊNCIA CULTURAL: Um pensar a educação a partir da realidade campesina. Nascimento, Claudemiro Godoy. Texto apresentado no VIII Encontro Regional de Geografia (EREGEO) na Cidade de Goiás em 27/10/2003.

QUEIRÓZ, João Batista P. O processo de implantação da Escola Família Agrícola (EFA) de Goiás. Dissertação de Mestrado (Educação). Goiânia: FE/UFG, 1997.

TÍTULO: A Pedagogia da Alternância e o Desenvolvimento Sustentável Solidário. Ministério do Desenvolvimento Agrário, 1999.

______________. A Educação Camponesa como espaço de resistência e recriação da cultura: um estudo sobre as concepções e práticas educativas da Escola Família Agrícola de Goiás – EFAGO. Dissertação de Mestrado (Educação). Campinas: FE/Unicamp, 2003.

segunda-feira, 29 de março de 2010

SAIBA MAIS SOBRE AS SALAS MULTISSERIADAS
A seguir, apresentamos textos sobre a Educação do Campo retirados do Programa Salto Para o Futuro, série “Escolas rurais e classes multisseriadas”
Site http://www.tvebrasil.tv.br/salto/boletins2001/cms/pgm1

Aspectos históricos

Para compreender a educação do Estado no meio rural
Traços de uma trajetória*
Maria Julieta Costa Calazans**

Indicações preliminares

O ensino regular em áreas rurais teve seu surgimento no fim do 2º Império e implantou-se amplamente na primeira metade deste século. O seu desenvolvimento através da história reflete, de certo modo, as necessidades que foram surgindo em decorrência da própria evolução das estruturas socioagrárias do país.
A monocultura da cana-de-açúcar, que dominou a economia do país até a metade do século passado, prescindia de mão-de-obra especializada. No entanto, com o advento da monocultura cafeeira e o fim da escravidão, a agricultura passou a carecer de pessoal mais especializado para o setor. Outras culturas secundárias, mas de alguma importância para o setor agrícola, também tiveram um desenvolvimento crescente, decorrendo daí a necessidade de pessoal com a qualificação que se pretendia fosse dada pela escola. Desse modo, o ensino da escola elementar, como a escola técnica de 2º grau, começou a impor-se como uma forma de suprir as necessidades que se esperava fossem atendidas a partir do ensino escolar.
É essencial destacar que as classes dominantes brasileiras, especialmente as que vivem do campo, sempre demonstraram desconhecer o papel fundamental da educação para a classe trabalhadora. As revoluções agroindustriais e suas conseqüências no contexto brasileiro, principalmente a industrialização, provocaram alterações que obrigaram os detentores do poder no campo a concordar com algumas mudanças, como, por exemplo, a presença da escola em seus domínios. Assim, a escola surge no meio rural brasileiro tardia e descontínua.
Essa indicação é um fenômeno complexo e está articulada a um conjunto de relações que necessitam ser analisadas, para a compreensão do problema.
Essas breves indicações sinalizam para os aspectos centrais deste trabalho:
a) trajetória da escola pública no meio rural;
b) a produção de projetos e programas especiais, integrados no meio rural com propostas educacionais explícitas, dentre as quais destaca-se a escola formal.
As tendências da origem e da organização escolar estão intrinsecamente vinculadas aos fatos de nossa própria formação social e política: país de colonização, de trabalho fundado na escravidão e no latifúndio, por largo tempo, Colônia, Império, República. As origens filiam-se por sua vez, às idéias da educação da época trazidas da Europa, de onde procediam os colonizadores.
Alguns destaques que perpassam do século passado aos anos 30
Na trajetória da formação escolar brasileira, embora se possam destacar eventos dispersos que denotam intenções do setor público, já no século XIX, de dotar as populações do meio rural de escola, sabe-se que só a partir de 1930 ocorreram programas de escolarização considerados relevantes para as populações do campo.
O ensino técnico agrícola surgiu na Bahia, no reinado de D. João VI, transformando-se depois na primeira Escola de Agronomia do país.
A partir de 1930, consolidou-se a idéia do grupo de pioneiros do "ruralismo pedagógico", idéias em ebulição desde os anos 20, predominando:
a) "Uma escola rural típica, acomodada aos interesses e necessidades da região a que fosse destinada (...) como condição de felicidade individual e coletiva".
b) "Uma escola que impregnasse o espírito do brasileiro, antes mesmo de lhe dar a técnica do trabalho racional no amanhã dos campos, de alto e profundo sentido ruralista, capaz de lhe nortear a ação para a conquista da terra dadivosa e de seus tesouros, com a convicção de ali encontrar o enriquecimento próprio e do grupo social de que faz parte (isto em oposição à 'escola literária' que desenraizava o homem do campo)".
c) Uma escola ganhando adeptos à "vocação histórica para o ruralismo que há neste país".
Quanto aos projetos especiais ou setoriais, a documentação disponível aponta-nos algumas iniciativas nos anos 30 cujo surgimento se deu sob o patrocínio do Ministério da Agricultura, do governo Vargas. Dentro desse quadro situam-se: a)colônias agrícolas e núcleos coloniais como organismos de fomento ao cooperativismo e ao crédito agrícola (1934). "Cada um desses núcleos de colonização formará cédulas de civilização nova, com todos os recursos indispensáveis a uma vida sadia (...) novas práticas agrícolas, vivendas confortáveis, hábitos de higiene (...)"; b) o curso de aprendizado agrícola com padrões equivalentes aos de ensino elementar, regulamentado em 1934, com o objetivo de formar capatazes rurais; c) nos mesmos padrões foi criado o curso de adaptação, "destinado a dar ao trabalhador em geral uma qualificação profissional".
A multiplicidade de projetos e programas nas décadas de 40 e 50
Na década de 40 surgiram programas de destaque, tanto sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura como do Ministério da Educação e Saúde.
A "educação rural" sob o patrocínio de programas norte-americanos tomou um grande impulso a partir do funcionamento da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais (CBAR). "O progresso na nossa agricultura depende, em grande parte, da educação do homem do campo (...). Uma obra de educação rural não pode, portanto, ficar 'adstrita' ao ensino técnico nas poucas escolas destinadas ao preparo profissional dos trabalhadores da agricultura (...)."
Originário no plano de colonização, surge, em 1945, o projeto de "aldeia rural", oferecendo possibilidades para atender às necessidades culturais, administrativas e industriais de toda a área ocupada pelo conjunto de aldeias.
Nas décadas de 40 e 50, no quadro nacional do desenvolvimento, definem-se e realizam-se programas educativos que pretenderam atingir as bases populares da maioria dos estados brasileiros.
Em 1947, o governo iniciou um movimento de educação popular denominado "Campanha de Educação de Adultos". Procurava-se com isso, criar ambiente propício às providências educativas de maior profundidade, entre as quais deveria figurar a experiência de "Missões Rurais de Educação de Adultos".
A idéia que fundamenta a prática de "Missões Rurais" é a de ação educativa integral para soerguimento geral das condições de vida material e social de pequenas comunidades rurais (as CSRs). A primeira Missão Rural de Educação, no entanto, só começou a funcionar em 1950, no município fluminense de Itaperuna.
Na década de 40 ainda estavam em vigência em algumas regiões do país as idéias do "ruralismo pedagógico", que data de antes dos anos 20, como uma tentativa de resposta à "questão social", provocada pela inchação das cidades e incapacidade de absorção de toda a mão-de-obra disponível pelo mercado de trabalho urbano. A essa ameaça permanente, sentida pelos grupos dominantes, políticos e educadores tentavam responder com uma educação que levasse o homem do campo a compreender o "sentido rural da civilização brasileira" e a reforçar os seus valores, a fim de fixá-lo à terra, o que acarretaria a necessidade de adaptar programas e currículos ao meio físico e à cultura rural.
O ardor com que se defende, ao longo do tempo, a causa da educação rural deu origem a providências concretas e de grande alcance, ora por parte do poder central, ora por parte de educadores, particularmente os "profissionais da educação". Já não se tratava de um movimento alfabetizador, mas de uma nova concepção da expansão escolar, em que o rural e o agrícola fossem respeitados nas suas características fundamentais e nas suas necessidades específicas.
A importância de que se revestiu a discussão do problema da educação rural para os "profissionais da educação" levou-os a organizar e realizar, em 1942, um congresso nacional de educação, na busca de diretrizes e soluções: O Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, sob o patrocínio do governo federal e do governo de Goiás.
O exame dos Anais desse Congresso permite perceber o predomínio que tiveram, ao longo das exposições, estudos e debates, as principais idéias do "ruralismo pedagógico": a substituição da "escola desintegradora, fator do êxodo das populações rurais", por uma escola cujo objetivo essencial fosse o "ajustamento do indivíduo ao meio rural" - caracteristicamente a escola do trabalho - cuja função fosse "agir sobre a criança, o jovem, o adulto, integrando-os todos na obra de construção da unidade nacional, para tranqüilidade, segurança e bem-estar do povo brasileiro".
A educação no meio rural no final dos anos 40 e década de 50 (1950) reflete, sem dúvida, a "tomada de consciência educacional" expressa no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, redigido em 1932 por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Carneiro Leão e outros.
A educação na escola e nos projetos integrados ou especiais nas décadas de 60 e 70
Ao final da década de 60, o "agravamento das disparidades regionais entre o Nordeste e o Centro-Sul (regiões mais povoadas do País", a identificação da densidade do problema, segundo o qual o setor primário, na região, seria o ponto de maior entrave para a absorção da "vigência de uma estrutura de poder ( principalmente no caso da Zona da Mata ) e de um regime semifeudal da propriedade e do uso da terra" foram, entre outros, os pontos de partida para a criação do primeiro órgão do planejamento e desenvolvimento regional brasileiro.
Ao lado disso, depois de 1960, os Estados Unidos passavam a se interessar prioritariamente por desenvolver programas de ajuda financeira e assistência técnica na América Latina.
No primeiro plano da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - Sudene - não se toca em projetos educacionais. No segundo plano, 6% do investimentos destinavam-se ao desenvolvimento de recursos humanos mediante treinamentos vocacional agrícola e industrial, preparo de pessoal para os estados e os municípios e programas universitários e pré-universitários.
Antes da criação da Sudene, o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) fez um diagnóstico no qual estão sugeridas três linhas de ação - os denominados Projetos Integrados - para o setor agrícola: a) utilização para irrigação, com o objetivo de estabilizar a produção de alimentos no sertão; b) colonização das áreas úmidas do Maranhão; c) uma melhor utilização da terra na área fértil e bem servida de chuvas da Zona da Mata.
Segundo Dirceu Pessoa, "os projetos integrados são empreendimentos envolvendo diversos setores e, como tal, objeto de atividades multiprofissionais interdependentes que deverão ser conduzidas integradamente".
Com relação à educação, nessa conjuntura, pode-se dizer, genericamente, que ela é planejada, estruturada e realizada a partir das "necessidades educacionais de cada região". Não há uma superestrutura válida para todo e qualquer meio ambiente. As exigências de planejamento e efetivação da educação rural estão correlacionadas à política do desenvolvimento e à transformação das estruturas do setor primário. O modelo de desenvolvimento é uma variável que interfere no estabelecimento de diretrizes e políticas para a educação rural, afirmavam os planejadores de educação e recursos humanos da época.
Na Região Nordeste, na década de 60, foram implantados alguns programas e projetos integrados em áreas rurais, através dos quais agências governamentais atuantes na região procuraram desenvolver ações educacionais de forma a melhor atingir as populações -Povoamento do Maranhão (1961); Grupo de Estudos do Vale do Jaguaribe (1961); Grupo de Imigração do São Francisco (1960).
A tônica desses e de outros programas era o desenvolvimento de comunidade e educação de adultos, considerada, esta última, como um processo contínuo integrado ao desenvolvimento, devendo imprimir as seguintes características:
1. Conscientização da população de modo a permitir ao educando uma participação responsável e produtiva mediante:
a) interpretação dinâmica dos nossos valores e hábitos, bem como reintegração dos valores tradicionais referentes à vida pessoal e coletiva;
b) estímulo à participação na vida política do país.
2. Capacitação para assumir as novas formas correlatas de trabalho, bem como situações mais complexas de organizações coletivas.
Na Região Sul, diversos projetos integrados foram executados pela Superintendência da Região Sul (Sudesul), dentre os quais vale assinalar: o projeto integrado Sudoeste - I, situado na zona sudoeste do Rio Grande do Sul, integrada por 19 municípios, incorpora atividades educacionais destinadas às populações atingidas pelo mesmo.
As atividades educacionais desenvolvidas pela Sudesul, no âmbito dos projetos citados, emanam das diretrizes do Plano Setorial de Educação e visam à coordenação e à vinculação dos diversos organismos responsáveis por sua execução, na respectiva área.
Em âmbito nacional, as décadas de 60 e 70 foram de proliferação assustadora de programas para o meio rural. Estamos nos propondo mapear os principais, fazendo breves indicações a respeito dos mesmos.
Nos setores de colonização e reforma agrária, tivemos a Supra (Superintendência da Política de Reforma Agrária), em 1962; o Ibra (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária ) e o Inda ( Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário ), criados com a extinção da Supra, em 1964; e o Incra ( Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ), que emerge no final da década de 60 da fusão do Ibra e do Inda. Embora as orientações teórico-metodológicas das propostas educativas desses órgãos tenham sido diferentes - dadas as condições estruturais e conjunturais de cada época perpassada pelos mesmos -, a tônica de trabalho que empreenderam é pautada no desenvolvimento de comunidade, e na educação popular e de adultos - sob a forma organizativa de projetos rurais integrados.
Outros programas que devem ser assinalados:
a) Pipmoa - Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Agrícola (1963), fundido com o Pipmoa em 1972;
b) Prodac (Programa Diversificado de Ação Comunitária), do Mobral, com incursão permanente no meio rural;
c) Senar - Serviço Nacional de Formação Profissional Rural (1976);
d) Crutac - Centro Rural Universitário de Treinamento e de Ação Comunitária (1965) e Cimcrutac (1969);
e) Projeto Rondon (1968);
f) No II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) - com recursos do Bird; Pólo Nordeste, Pólo Amazônia e Pólo Centro, todos com incursões em educação e treinamento de mão-de-obra.
No Ministério de Educação e Cultura, o II Plano Setorial de Educação (1975-79) estabeleceu, entre seus objetivos e diretrizes, criar condições para o desenvolvimento de programas de educação no meio rural que venham a repercutir na melhoria socioeconômica das populações dessas áreas.
A Secretaria Geral do MEC, com a participação do CNRH / Seplan e PNDU / Unesco - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - realizou cursos de formação para educadores do meio rural, tendo lugar, o primeiro desses cursos, em Natal, com desdobramento em Caiacó-RN, onde foi iniciada a aplicação da metodologia que o programa adotou.
Desde 1976 trabalhando, técnicos do MEC, CNRH/Seplan e PNUD/Unesco promoveram, além do projeto no Rio Grande do Norte, um curso em Garanhuns - PE, encontros, seminários e uma reunião técnica sobre Metodologia de Planejamento da Educação para o Desenvolvimento Integrado das Áreas Rurais, com a participação de outras instituições congêneres latino-americanas e técnicas de programas internacionais.
Várias reuniões técnicas foram realizadas em função da implementação desse programa, produzindo vasta documentação, especialmente referida aos aspectos metodológicos.
Os estudos indicam que a educação no meio rural deveria estimular:
a) aquisição de conhecimento que possibilite ao indivíduo e à comunidade a compreensão do meio em que vivem e os instrumentalize para encontrar a melhor solução para as situações que impedem ou dificultam o seu desenvolvimento;
b) aquisição de conhecimentos que leva a um aumento da produtividade e, em conseqüência, a uma melhoria das condições de vida;
c) participação da comunidade no desenvolvimento, na transformação ou adaptação de estruturas de natureza econômica e social, tais como: cooperativas, escolas, programas, pelotões de saúde etc.
No III PSECD (Plano de Educação, Cultura e Desporto), do Ministério de Educação e Cultura - 1980, cujo enfoque atribui à educação um importante papel na política social, surge o Pronasec, entendido como um dos elementos significativos na luta contra a pobreza.
O tipo de serviço educacional proposto seria apoiado nas características e necessidades da população carente e incorporaria o universo cultural da comunidade em que se insere.
A proposta educativa desdobra-se em: educação e trabalho produtivo, educação e vida comunitária, educação e cultura.
Cabe dar ênfase às propostas educativas dos primeiros cinco anos da década de 60. Movimentos educacionais e culturais relevantes como o MEB, o método de Paulo Freire, entre outros , desenvolveram inovadoras concepções e estratégias de educação de adultos, educação de base e educação popular, e destacaram-se pela criatividade e inovação teórico-metodológica.
É importante salientar que a vinculação que se estabeleceu entre educação e desenvolvimento a partir dessa época pôs fim à oposição cidade-campo, alvo principal da luta ideológica do "ruralismo pedagógico".
Daremos destaque, a seguir, a alguns pontos de discussão em torno das concepções que nortearam os programas no meio rural nas décadas de 60 e 70.
"Educação, que se propõe a ser fator de desenvolvimento, e que, de forma programada, inclui-se numa planificação global, tem de estar atenta às solicitações feitas pelas estruturações específicas já implantadas, equipando-se para uma capacitação específica de quadros; e também voltada para a criação de uma mentalidade tecnológica (não confundir com a preparação das massas para a tecnocracia) condizente com a atualização do homem no que diz respeito às relações da economia moderna."
Pretendia-se tipificar uma "educação para o desenvolvimento", tomar posição em relação à educação de adultos na perspectiva de educação de base, propor que a educação de adultos não se limite a um mero "alfabetizar por alfabetizar". Objetivava-se preparar os indivíduos e os grupos para participarem, responsável e produtivamente, de um processo de mudança cultural identificado como um processo de desenvolvimento socioeconômico.
Tomava-se como conceito de desenvolvimento um processo de mudança cultural para um "melhor estar das comunidades humanas no decurso do tempo". "O conceito de melhor estar se aplicava (...) a uma mudança do ponto de vista cultural, no comportamento dos consumidores; e do ponto de vista econômico, a uma variação na função-consumo. Mas, a cada nível de melhor estar deve corresponder uma mudança na função-produção."
Damasceno (coords.). Educação e Escola no campo. Campinas, Papirus, 1993.
Quanto à continuidade do mapeamento, inventário, ou estado da arte dos projetos e programas da área em estudo, a partir de 1980, a autora sugere que sejam consultados os resultados do grupo de trabalho "Educação e Movimentos Nessa perspectiva, o processo de desenvolvimento só pode ser entendido quando considerado em relação ao homem. É ele o agente da criação e mobilização de todos os eventuais fatores implicados no processo. Daí a necessidade de capacitar o homem para assumir esse papel de agente propulsor do desenvolvimento, além de a própria razão de ser do desenvolvimento ser a realização do homem e o aumento do seu bem-estar.
O papel da educação seria, pois, o de "propor elementos para que o homem, ao invés de subordinar-se, ingresse nesse mundo inovado e consiga situar-se nele como no seu mundo, e definir o papel que nele lhe compete". Isso exigiria a descoberta de novas categorias "que lhe permitirão uma nova compreensão de si mesmo, do seu mundo de relações e das coisas".
Essa proposta de uma educação para o desenvolvimento e para o trabalho, preparando a população para o "ingresso consciente" no processo político, através de suas organizações, não gerou consenso - nem nas discussões acadêmicas em seminários e grupos de trabalho, e muito menos no estabelecimento de estratégias para as ações programadas. Os defensores da educação como investimento estavam presentes a esses debates, sobretudo na defesa das organizações externas que chegavam ao Brasil para suas prestações de assistência técnica.

Considerações finais

A intenção do estudo da Prof.a Maria Julieta Costa Calazans é oferecer uma indicação de programas e projetos governamentais de ações educativas que perpassaram momentos históricos da realidade brasileira e neles deixaram suas marcas, registrando um mapeamento das ações "educativas e culturais" (programas e projetos) no âmbito da educação e das escolas rurais. Apresentamos aqui um resumo dos pontos principais deste estudo, que pode ser conhecido na íntegra em:
CALAZANS, Maria Julieta Costa. "Para compreender a educação do Estado no meio rural - traços de uma trajetória". In: Jacques Therrien e Maria Nobre Sociais no Campo", da ANPEd.

NOTAS:
* Este trabalho foi elaborado com base em informações armazenadas principalmente nos relatórios do Estudo Retrospectivo da Educação Rural no Brasil 1975-1983, coordenado pela autora, com a participação de outros docentes do Instituto de Estudos Avançados em Educação Iesae/FGV.
** Professora no Instituto de Estudos Avançados em Educação Iesae/FGV e no mestrado em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).


Ensino rural hoje

Que projeto de Educação Rural?
Fernando Pimenta*

A junção das palavras educação e rural confundem e intrigam as cabeças bem pensantes da área da educação. A educação pensada nos marcos da universalidade e cidadania - como valores ideais - é fortemente influenciada pelo viés desenvolvimentista industrial e urbano, tão valorizado nas décadas de 60 e 70, período em que boa parte de nossos educadores freqüentaram os bancos escolares. A palavra rural sofre distorção provocada também pelo paradigma industrial. O rural é associado a atraso, baixa densidade demográfica, pobreza e isolamento. Embora essas características ocorram com freqüência, isoladamente ou associadas, no geral existe o preconceito que associa rural a um valor negativo. O rural nessa visão tradicional é entendido unicamente como o território agrícola das propriedades rurais.
A dificuldade de se discutir um projeto de educação rural se inicia com esse enfoque conservador. Torna-se necessário rediscutir a nova territorialidade do rural; atualizar as percepções de local, regional e global (e suas inter-relações) e finalmente, discutir objetivos e parâmetros para a cidadania no mundo rural.

A nova territorialidade rural

No conceito tradicional, rural e agrícola são sinônimos. Afinal, a área rural tradicionalmente era voltada exclusivamente às atividades agrícolas. Na verdade, até o final dos anos 60 tínhamos uma enorme participação da agricultura de subsistência na produção de alimentos. Esse setor era essencialmente formado pelos agricultores familiares bastante auto-suficientes no seu consumo e, portanto, isolados da economia de mercado. A situação atual é bem diferente, em que se pese as grandes diferenças regionais do país. A agricultura familiar atualmente está muito mais integrada ao mercado. Ela produz 38% do valor da produção, ocupa 77% das pessoas que trabalham no campo e possuem 30% das áreas dos imóveis rurais. Hoje, sua renda não é mais exclusivamente agrícola. Estima-se que cerca de 35% da renda familiar dessa população vem de atividades não-agrícolas desenvolvidas na zona rural ou nas sedes dos municípios. Os agricultores familiares também não moram mais exclusivamente na zona rural, como ocorria há 30 ou 40 anos atrás. Em 14 unidades da Federação, mais de 20% moram nas sedes dos municípios; em 7 estados mais de 30% dos agricultores familiares estão nas cidades. Essas tendências são constatadas mundialmente.
O que queremos destacar é que cada vez mais há uma independência entre as atividades econômicas e o local das residências. Tanto encontramos pessoas da zona rural com atividades não-agrícolas, como gente nas cidades vivendo de atividades agrícolas e rurais. Cada vez aumenta mais a integração e a divisão do trabalho entre o campo e os núcleos urbanos. Na verdade existem municípios rurais em que a economia gira ao redor de atividades agrícolas e não-agrícolas desenvolvidas nas áreas rurais e urbanas. O pesquisador José Eli da Veiga, da USP, analisando os dados do Censo de 2000, estimou que no país existem 4.490 municípios rurais, onde vivem 52 milhões de brasileiros. É para essa população & território que pensamos um projeto de educação rural.

As percepções de local, regional e global

O progresso das comunicações possibilitando a democratização das informações; a extraordinária melhoria da infra-estrutura viária e a enorme ampliação da escolarização no país, aliados a uma tendência mundial de integração das economias dos países, criaram uma forte interdependência entre a territorialidade do local, do regional (incluindo aqui o nacional) e do global nem sempre acompanhadas pela percepção das pessoas. Não estamos falando (nem acreditamos) no fim da diversidade das culturas e valores locais, do esvaziamento do papel da vida comunitária na socialização das pessoas, nem fortalecendo o discurso tecnocrático da padronização global. O que precisamos é entender as novas relações entre local, regional e global e a natureza dos laços de dependência e independência.
A territorialidade rural ( no sentido econômico e das relações sociais de produção) é decorrente essencialmente da relação entre o desenvolvimento técnico de sua sociedade na exploração dos seus recursos naturais, num determinado período histórico. Essa relação determinará em grande parte as características da integração do local com o regional e o global. Torna-se necessário, portanto, analisar as diferentes dimensões da territorialidade através do conhecimento, para que as pessoas do território rural percebam sua inserção na região, no país e no mundo. Através de algumas afirmacões e indagações sobre a produção de alimentos e o meio ambiente, tentarei tornar mais compreensível as interdependências das diferentes dimensões territoriais.
Os consumidores das cidades estão cada vez mais exigentes em produtos com determinadas características de produção, origem, embalagem, aparência etc. Em geral se dispõem a pagar mais por esses produtos. Os pequenos produtores, por sua vez, precisam vender produtos de maior valor para aumentarem sua renda e qualidade de vida. Como articular a produção especializada e qualificada dos pequenos produtores com as demandas exigentes da população das grandes cidades?
Os consumidores das cidades querem produtos com melhor qualidade e preços competitivos. Ocorre que para viabilizar competitividade se exige, além da qualidade anteriormente falada, de regularidade e volumes adequados na oferta de produtos. Na maior parte das vezes a produção de um ou alguns produtores é insuficiente para ter sucesso no mercado. É preciso organizar vários produtores e de forma planejada. Isso exige articulação no nível municipal e regional da produção. É necessário também conhecer as outras regiões produtoras com quem se concorrerá ou até mesmo poderá se construir parcerias para fortalecer a entrada conjunta no mercado. Como os diferentes processos de educação ( e capacitação) podem aumentar os conhecimentos e a capacidade de associações dos pequenos para que eles participem "grandes" no mercado?
O mundo através de diferentes movimentos sociais está cada vez mais exigindo que o desenvolvimento seja sustentável, isto é, que não comprometa o meio ambiente para as gerações futuras. O combate à pobreza e à desigualdade e o desenvolvimento econômico ambientalmente correto são os temas mais discutidos pelos países nas conferências e fóruns internacionais. A falta d'água para abastecimento e geração de energia, a elevação da temperatura da Terra pelo excesso de poluentes que estão destruindo a camada de ozônio que nos protege, o excesso de gás carbônico pela devastação das matas são resultados da exploração irracional de diferentes cadeias produtivas. O território rural não deveria ter um papel de destaque na preservação da água, do solo e das matas? Para isso não precisaria, além de uma forte educação ambiental, ter um planejamento territorial no nível das comunidades locais (microbacias) e no nível regional (bacias)? O país não precisaria implementar mais rapidamente um zoneamento agroecológico? E as cidades, o que poderiam fazer para devolver água limpa aos rios que por elas passam e retornam geralmente para o território rural?

A cidadania e o novo mundo rural

A cidadania no novo mundo rural se baseia nos princípios do reconhecimento da diversidade sociocultural e no direito à igualdade e à diferença previsto na Constituição Brasileira. Assim, ao reconhecermos uma territorialidade própria para o rural, pensamos um projeto integrado ao nacional, mas com características locais e regionais diferenciadas. Ao pensarmos em educação rural estaremos desenvolvendo adequações nos conteúdos curriculares e metodologias baseadas nas diretrizes e parâmetros curriculares nacionais definidos para a educação básica. Por tratar-se de um projeto de longo prazo, acho que deveríamos desenvolver uma agenda pensando na formação e educação de nossos jovens rurais.
Estudos feitos com jovens rurais do sul do país mostram que 70% dos rapazes desejam ficar no campo como produtores rurais. Apontam as seguintes dificuldades: 81% falta de recursos para investimento; 40% falta de alternativas de geração de renda e 30% falta de terra (só 21% acham que herdarão terras em quantidade e qualidades necessárias).
Essas constatações sugerem três pontos para discussão da agenda: 1o - as políticas de crédito rural para investimento deveriam priorizar jovens da agricultura familiar com formação profissional que apresentassem projetos viáveis; 2o - os currículos da educação básica e profissional deveriam desde cedo desenvolver a formação e capacitação empreendedora de nossos jovens rurais, já que as possibilidades de emprego são remotas nos pequenos municípios brasileiros. O empreendedorismo também precisaria ser desenvolvido para atividades não-agrícolas e em novas vocações e oportunidades oferecidas pelo meio rural; 3o - o acesso a terra deveria tornar-se uma política universal a todo jovem rural que desejasse ficar no campo e que se tivesse profissionalizado para tal. Dessa forma, a reforma agrária e o crédito fundiário seriam priorizados para esses jovens.
Pelo mesmo estudo cerca de 50% das moças pretendem continuar no meio rural como proprietárias; ou trabalhando em tempo parcial ou trabalhando em atividades não-agrícolas. Pensam que não terão condições de optar: as mais pobres acham que ficarão no campo por necessidade ou que terão que procurar emprego nas cidades, embora nesse caso quisessem ficar no meio rural. Assim teríamos: 4o - para as jovens do gênero feminino ( além dos três pontos anteriores) precisaríamos uma educação e formação mais voltadas à capacitação para o desenvolvimento profissional de tempo parcial, em que haverão trabalhos desenvolvidos no campo e na cidade e em que os trabalhos rurais poderão ser diferentes daqueles realizados pelos rapazes.
A falta de oportunidades de educação em quantidade e qualidade no meio rural tem sido responsável por dois aspectos perversos: os jovens mais capacitados saem do meio rural embora desejassem ficar; os que ficam não estudam o suficiente para desenvolverem capacidades empreendedoras que lhes dêem renda. Felizmente, pelo menos no campo do atendimento escolar, esse quadro está mudando (Estudo da EPAGRI/SC em dez municípios do oeste catarinense constatou que cerca de 60% dos jovens entre 25 e 29 anos estudaram até a quarta série, contra cerca de 40% entre os de 19 a 24 anos e 20% entre os de 13 a 19 anos).
O número limitado de anos de estudo dificulta a formação da cidadania, que exige formação e conhecimento dos direitos e deveres de cada um de nós. Também impede que o jovem conheça sua própria cultura e a diferencie das demais. A ampliação do período escolar também favorece a criatividade, a análise crítica, a cultura associativa e a solidariedade, tão necessárias para as comunidades rurais e para o desenvolvimento da agricultura familiar. Definir como meta de estudo pelo menos a conclusão do Ensino Médio e uma formação profissional mínima de dois anos, além de uma cultura de educação permanente e continuada, são necessidades fundamentais para a construção de um projeto de desenvolvimento rural sustentável. Poderíamos considerar estas necessidades como nosso 5o ponto da agenda.
A qualidade do ensino também precisa melhorar. Algumas experiências poderiam ser universalizadas e adotadas nesse sentido. O projeto Escola Ativa tem conseguido bons resultados nas escolas multisseriadas da 1a a 4a série; o transporte escolar nos municípios tem possibilitado a continuidade dos estudos dos jovens rurais, embora devêssemos rediscutir a nucleação dos alunos da zona rural; iniciam-se experiências de estudo a distância associado a aulas presenciais com periodicidade mensal para o Ensino Médio; aos poucos vão aumentando as experiências de contextualização da realidade rural nos currículos e no calendário escolar; as escolas profissionalizantes, baseadas na pedagogia da alternância e administradas pelos próprios agricultores, vêm mostrando como é possível trabalhar na profissionalização dos jovens rurais sem afastá-los da produção e do convívio familiar e rural; a educação a distância vem se mostrando um forte instrumento para capacitação de professores e alunos e um jeito barato e agradável de se conhecer experiências de outros lugares. A adequação e multiplicação dessas experiências poderiam se constituir no 6o ponto de nossa agenda.
Finalmente é preciso aproximar as oportunidades de qualidade de vida do meio rural às do meio urbano. Políticas públicas de democratização dos meios de comunicação (televisão, rádio, computação, telefonia); melhoria das estradas e oferta de transporte rural; lazer e esporte etc. precisam aproximar mais a qualidade de vida e o convívio dos jovens dentro do mesmo município. Que tal pensarmos nisso como o 7o item da agenda?

O Projeto político-pedagógico

O que abordamos e diagnosticamos até aqui não são grandes novidades acadêmicas e muito do que falamos já vem acontecendo em diferentes regiões. O que falta é um projeto claro, que estabeleça uma política universal de educação rural vinculada ao desenvolvimento local e regional do interior e dos pequenos municípios que integram o meio rural brasileiro.
O projeto político-pedagógico deveria trabalhar com três princípios:
1o) Fortalecer a auto-estima da população rural e dos pequenos municípios através da possibilidade de implementação de um projeto de desenvolvimento baseado nas vocações locais, na equanimidade de oportunidades e na valorização da cultura local;
2o) Estabelecer a "cidadania-diferente", na qual a escolha do local, o estilo de vida, os valores sociais com que cada um se identifica e se realiza trazem a felicidade e tornam eventuais limitações materiais e de consumo pouco importantes na opção de vida;
3o) Construir a utopia do novo mundo rural baseada no paradigma do desenvolvimento local sustentável integrado à divisão regional do trabalho e ao projeto de desenvolvimento do país e do mundo dentro dos novos valores globais e universais que vão se consolidando - apesar de as contradições mundiais persistirem - como a ética, a inclusão, a equanimidade, respeitadas as diferenças, a solidariedade e o direito de todos à felicidade.
NOTAS:
* Representante do MEC no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável.

Municipalização

Descentralização do Sistema
Sergio Celani Leite *

Para muitos, descentralização de ensino implica somente a autonomia administrativa, pedagógica e financeira das unidades escolares, mas ela estende seu conceito de forma bem abrangente, quando propõe uma discussão ampla sobre o papel do corpo docente/discente e das famílias dentro da estruturação e reorganização do sistema escolar, visando exclusivamente ao seu fortalecimento. Neste sentido esclarece Guiomar Namo:
"(...)a descentralização aqui proposta, que terá como objetivo último o fortalecimento da organização escolar e sua maior autonomia, constituirá num processo de redefinição do papel das instâncias centralizadas do aparato estatal e de políticas pactuadas com instâncias intermediárias" (Mello: 1991: 30).
Portanto, a questão da descentralização não se dá apenas pela autonomia pura e simples, mas pela forma de gestão que se pretende empreender no sistema escolar, ampliando-se cada vez mais o nível de responsabilidades dos participantes diretos do processo: professores, alunos, famílias, comunidades etc. Gestão e descentralização estão ligadas intimamente, uma vez que o gerenciamento escolar esteja conectado com a realidade que envolve a própria escola, e a filosofia da educação tenha autonomia suficiente para permitir uma gestão aberta e diferenciada.
Rapidamente, podemos colocar vários itens que emperram as formas descentralizadas de gerenciamento escolar, entre eles: centralismo organizacional; estruturação curricular não abrangente; planejamento didático e processo de ensino realizados a partir de orientações superiores; excesso de burocratização no gerenciamento e funcionamento do sistema; distribuição desigual de recursos humanos, ao longo dos anos de escolaridade; superposição de interesses alheios à escola sobre decisões puramente educacionais, isto é, interferência de pessoas, grupos e/ou interesses alheios na educação; inadequação de recursos financeiros ou gastos infinitamente distanciados das reais necessidades educacionais; incapacidade do governo e dos homens públicos em viabilizarem uma política educacional que atenda à sociedade; processo descontínuo e desigual no tratamento do sistema escolar e ações que dão privilégios ora às necessidades do 1º grau, ora do 2º grau etc.
A função primordial da escola é ensinar, transmitir valores e traços da história e da cultura de uma sociedade. A função da escola é permitir que o aluno tenha visões diferenciadas de mundo e de vida, de trabalho e de produção, de novas interpretações de realidade, sem, contudo perder aquilo que lhe é próprio, aquilo que lhe é identificador.
No entanto, o sistema em si, centralizado no poder de alguns e objetivando a manutenção de uma democracia fictícia, não permite que essa função seja de fato realizada. Gestão, função e organização escolar, aliadas à prática pedagógica, devem ter esse direcionamento, ensino/aprendizagem, pelos quais se concretiza a ação educadora de fato. Guiomar Namo de Mello, em seu texto sobre Política Educacional Brasileira (Políticas Públicas de Educação. Revista de Estudos Avançados, São Paulo, 5 (13):7-47), assim coloca essa problemática:
"O eixo central da Organização da escola é, assim, o processo de ensino e aprendizagem. Funções de outra natureza podem ser assumidas pela instituição escolar, por imposição de contingências históricas e sociais, mas elas devem estar subordinadas à sua tarefa fundamental que é a gestão da relação pedagógica pela qual o ensino e a aprendizagem se efetuam (Mello,1991:24).
Neste caso, o papel do poder público no que diz respeito à educação é fundamental, levando-se em consideração a tipologia e estruturação do Estado Nacional e do sistema produtivo capitalista, que determinam as relações políticas e de mercado e emolduram as relações socioculturais.
Sabemos que o contigente escolar brasileiro concentra-se, primordialmente no ensino básico e que há uma dicotomia constante entre Estado, Capital e Escola. A multiplicidade sociocultural e as diferentes estruturações e legitimações políticas fazem da escola, na maioria das vezes, uma espécie de "filho pródigo" em busca de sua própria identidade. Nessa condição, a função básica da escola despenca-se em um emaranhado de situações conflitivas com a realidade local, em que a qualidade do que se ensina e do que se aprende perde seu significado. Por outro lado, as demandas de mercado exigem uma tecnologia e estudos avançados em relação aos conhecimentos básicos, necessários à vida comunitária, promovendo na maioria das vezes uma ruptura entre as práxis locais e adestramento profissional.
Em decorrência dessas contingências, aponta-se a municipalização do Ensino Fundamental, como formato de gerenciamento do processo escolar, com o objetivo de adequar o ensino/aprendizagem às múltiplas realidades que circundam a escola, sem perder de vista seu objetivo formal (transmissão de conhecimentos) e atingindo níveis superiores de qualidade, eficiência e aplicabilidade. Sob esse aspecto:
"(...)entendida como socialização do poder decisório e de gestão, com os diversos setores do poder local, resultando em políticas ditadas pela maioria ou por consensos possíveis, a municipalização do Ensino Fundamental permitirá a conciliação entre as exigências da cidadania universalizada e as do desenvolvimento econômico" (José Eustáquio Romão. Poder local e educação. São Paulo, Cortez, 1992).
A partir dessas considerações, o conceito de descentralização atinge os municípios, e em meio a essas colocações e posicionamentos - quer educacionais, políticas ou socioculturais - encontramos divergências entre os pensadores da educação, no que diz respeito à participação municipal como elemento de sustentação essencial na autonomia descentralizada do sistema escolar. É significativa, nesse parecer, a observação de Moacir Gadotti, afirmando que:
"(...)a municipalização só será democrática e consolidará o processo de democratização na medida em que ela for articulada com as diferentes esferas de governo, como está escrito na Constituição, que prevê o 'regime de colaboração' entre os sistemas de ensino (...) Há uma grande diferença entre municipalização e prefeiturização. A ampliação das responsabilidades dos municípios em matéria de educação constitui-se num passo importante para a descentralização" (Moacir Gadotti. In: José Eustáquio Romão. Poder local e educação. São Paulo, Cortez, 1992).
Com efeito, a capacidade formativa e informativa de planejamentos e de estruturação da rede escolar, a cargo da municipalidade, reverte o processo às suas bases, à práxis local, sem contudo perder o fio condutor que integra o município ao estado e à federação. Esse fio condutor nada mais é que a vontade política para efetivar, pela escolaridade, a vivência democrática e produtiva do cidadão, tendo em vista o princípio de igualdade, de equilíbrio social e dos valores socioculturais.
Os defensores da descentralização percebem na redistribuição tributária uma forte possibilidade de se garantir o custo operacional do processo escolar. Na forma de socialização de recursos que o capitalismo moderno propicia, acreditam eles no gerenciamento local para a aplicação adequada desse quantum financeiro, de modo objetivo e corretamente direcionado, a partir e em função da gestão democrática permitida pela descentralização. Objetivam, especificamente nesse caso, o atendimento ao ensino fundamental municipal.
No jogo dessas discussões, grupos municipalistas se movimentaram criando, juridicamente, uma entidade específica para atender a suas reivindicações. Como porta-voz da defesa da descentralização escolar, temos também grupos de educadores e estudiosos, que num trabalho reflexivo e epistemológico da educação, tentam distanciar as discussões corporativas (municípios e entidades municipalistas em oposição a educadores e autoridades educacionais estaduais) que eventualmente se manifestam sobre esta ou aquela tendência.
Lastreadas na democracia e no direito, as discussões sobre descentralização e gestão autônoma da educação vêm tomando corpo, dia a dia, na formulação das novas propostas educacionais. Face às necessidades do ensino nacional, principalmente, em relação à nova LDB, podemos garantir que a descentralização antes de ser uma necessidade é, basicamente, uma conduta pedagógica a ser estabelecida. Resta saber em que bases, e a partir de quais objetivos, essa escola descentralizada e autônoma deseja atuar.

NOTAS:
* Para compreender a municipalização das escolas rurais e qual é o impacto da municipalização das escolas, apresentamos o texto de Sergio Celani Leite, coordenador do projeto de pesquisa em História da Educação, em convênio pela UEMG/FAPEMIG, nas regiões de Alto Paranaíba e Noroeste Mineiro.
Educação do Campo: o desafio de construção de um outro conceito educacional


Ações do documento Educação do Campo: o desafio de construção de um outro conceito educacional
por paula última modificação 03/04/2008 13:55
Colaboradores: Rudá Ricci


Temos no Brasil inúmeras experiências bem sucedidas de educação do campo, mas o Estado não as incorpora como política nacional



1. Educação do Campo e Educação da Cidade


Um livro famoso organizado por Carlos Rodrigues Brandão, publicado em 1982, cujo título é A questão política da educação popular, Ciço, um agricultor familiar residente no sul de Minas Gerais, responde o que para ele é educação. A resposta é uma aula, daquelas de inauguração de um ano letivo, e vale a pena reproduzir um trecho:



Porque é assim desse jeito que eu queria explicar pro senhor. Tem uma educação que vira o destino do homem, não vira? Ele entra ali com um destino e sai com outro. Quem fez? Estudo, foi estudo regular: um saber completo. Ele entra dum tamanho e sai do outro. Parece que essa educação que foi a sua tem uma força que tá nela e não tá. Como é que um menino como eu fui mudá num doutor, num professor, num sujeito de muita valia? Agora, se eu quero lembrar da minha: “enxada”. Se eu quero lembrar: “trabalho”. E eu hoje só dou conta de um lembrarzinho: a escolinha, um ano, dois, um caderninho, um livro, cartilha? Eu nem sei, eu não lembro. Aquilo de um bê-a-bá, de uma alfabetozinho. Deu pra aprender? Não deu. Deu pra saber escrever um nome, pra ler uma letrinha, outra. Foi só. O senhor sabe? Muito companheiro meu na roça, na cidade mesmo, não teve nem isso. A gente vê velho aí pra esses fundos que não sabe separar um A dum B. Gente que pega dum lápis e desenha o nome dele lá naquela dificuldade, naquele sofrimento. Mão que foi feita pro cabo da enxada acha a caneta muito pesada e quem não teve prazo dum estudozinho regular quando era menino, de velho é que não aprende mais, aprende? Pra quê? Porque eu vou dizer uma coisa pro senhor: pra quem é como esse povo de roça o estudo de escola é de pouca valia, porque o estudo é pouco e não serve pra fazer da gente um melhor. Serve só pra gente seguir sendo como era, com um pouquinho de leitura. (...)




Os dados oficiais são surpreendentes: temos, hoje, 100 mil escolas rurais, 6 milhões de alunos e 290 mil professores. Contudo os dados oficiais revelam que apenas 21% das crianças que vivem no campo terminam o ensino fundamental e apenas 10% terminam o ensino médio. Estudos recentes, como o de Maria José Carneiro (“O ideal rurbano: campo e cidade no imaginário de jovens rurais”, In DA SILVA, Francisco C. T. et ali.Mundo Rural e Política: Ensaios Interdisciplinares. Rio de Janeiro: Campus, 1998), que pesquisou jovens rurais, entre 15 e 26 anos de idade, residentes em Nova Friburgo (RJ) e Nova Pádua (RS), revelam o empenho dos jovens em melhorar seu padrão de vida, sem que isto implique negação da cultura de origem. A educação aparece como um elemento estranho, embora necessário, como aparece em várias entrevistas, como as duas que passo a destacar:




Eu tenho 41 anos e saí com 11 anos (...). Saí por convite da família, não por mim. (...) A gente saiu para buscar um estudo. Nossos pais, nossa família influenciou muito para que a gente saísse para estudar, para que tivesse estudo, tivesse formação. (...) Todos que saíram não voltaram porque a própria cidade te oferece mais coisas, ela te oferece lazer. (...) Alguns ficam, vão trabalhar na prefeitura e acabam ficando. Mas, hoje não! Hoje se tivesse uma terra para eu voltar..., nas condições que eu tenho hoje... eu até voltaria. (Filho de agricultor, gerente e sócio de uma indústria de lixas industriais em Caxias do Sul.)




Eu saí daqui, eu troquei a minha... eu diria assim, a minha herança eu troquei pelo estudo. (...) Se nós ficássemos em doze aqui, repartindo um pedaço pra cada um... ia ficar pouco pra todo mundo. Então, ‘me paga o estudo, me ponha na Faculdade e eu não preciso mais da terra...’ (Filho de agricultor, advogado, 46 anos de idade.)




A educação formal, como se percebe em inúmeros relatos, gera um descaso em relação à vida rural. O mais comum é o jovem, após a 4a série primária, procurar emprego na cidade como empregados domésticos, no pequeno comércio ou na construção civil. Nas pesquisas recentes, a velha tradição do filho mais novo ficar no meio rural já começa a desaparecer. Fica quem possui menor vocação para o estudo. Por este motivo, na América Latina, o único país que apresenta crescimento da população jovem no campo é o México. Em Nova Pádua (RS), dos 56 filhos de agricultores entrevistados, 83% informaram que não gostariam de permanecer na atividade agrícola, porque é um trabalho pouco rentável, sem futuro, instável, sem recompensa, duro, pesado e sujo. Segundo estudos recentes, 12% dos estabelecimentos dos agricultores familiares não têm sucessores, e uma parte considerável só tem um herdeiro. Assim, a educação formal para o meio rural passa a ser, pouco a pouco, compreendida em sua dimensão política e não apenas na possibilidade de capacitação e aumento de eficiência produtiva. É desta forma que lideranças rurais passam a incorporar propostas educacionais no seu discurso político como programas oriundos e que respondem às demandas e à dinâmica do mundo rural.




2. As várias propostas educacionais que nascem do mundo rural




Uma dessas propostas é a Pedagogia da Alternância, baseadas nas Maisons Familiales Rurales (MFRs), que surgiram em 1937, em Lauzun, na França, sede do cantão de Lot-et-Garonne. As escolas francesas nasceram num período em que o mundo rural já era fortemente afetado pela mecanização agrícola e enfrentava a crise de mercado e preços em vários produtos agrícolas, como leite e carnes. Seus ideólogos foram Jean Peyrat (agricultor e presidente do sindicato rural de Sérignac-Péboudou), padre Granereau e Arsène Couvreur (jornalista e criador do semanário agrícola nacional La France Agricole). As MFRs possuíam três pilares:

• a formação técnica (aprendizado prático e observações no terreno, procurando fomentar a profissão de agricultor);

• a formação geral (história, matemática);

• a formação humana e cristã.




As Maisons Familiales Rurales funcionavam como internatos, alternando o tempo de convívio do aluno na escola, com o tempo de convívio com seus pais. Daí a origem da alternância. As famílias forneciam parte dos suprimentos, além do pagamento de uma quantia mensal. No primeiro ano da experiência, a primeira semana de convívio foi marcada para após a colheita de novembro de 1935. Parte da programação era voltada para visitas técnicas: pomar, exploração agrícola, análise do funcionamento de máquinas. Todas atividades são permeadas por iniciativas de um “animador”, função exercida em rodízio, estimulando a formação social. Ao final, os jovens submeteram-se a uma prova estabelecida pelo programa oficial de formação por correspondência.




Na década de 40, no pós-guerra, foram detalhados os princípios, objetivos e métodos desta experiência:

• objetivos: formação integral de jovens, envolvendo instrução, educação e formação da personalidade;

• princípios: são essencialmente familiares. As iniciativas e responsabilidades pertencem aos pais dos alunos (assim como aos pais dos ex-alunos);

• método: alternância, articulando a interdependência entre trabalho e estudos, entre ação e reflexão, entre teoria e prática.




A partir dos anos 50, constituiu-se a Associação Internacional de organismos de Maisons Familiales. No Brasil, a experiência foi introduzida em 1968 (no Espírito Santo, nos municípios de Piúma, Anchieta, Rio Novo do S e Iconha) e proliferou nos anos 80. Os sócios ativos são pais de alunos, ex-alunos e outros apoiadores que possuem direito a voto. Priorizam a experiência socio-profissional. No entender de seus ideólogos, a experiência vivida é mais significativa que a ensinada. Valoriza-se, portanto, a experiência cotidiana, numa reapropriação do tempo holístico, anterior à organização do tempo escolar de inspiração taylorista. Na prática, o projeto educativo ocorre em três momentos, envolvendo a casado aluno, o centro educativo (a escola) e o meio socioprofissional. Se a casa é o local da pesquisa e observação, o centro educativo é o local da socialização das experiências, da comparação, análise, interpretação e generalização. No meio profissional são aplicados os conhecimentos, e surgem novos temas de pesquisa.

Os instrumentos pedagógicos e recursos utilizados são, também, distintos das escolas formais. As EFAs (Escolas Famílias Agrícolas), que estão mais presentes na região, utilizam planos de estudo (elaborados em conjunto), cadernos de realidade (cadernetas de campo), visitas de estudo, visitas às famílias e empreendimentos profissionais e projeto profissional do jovem. Algumas experiências brasileiras já possuem planos de formação estruturados. Este é o caso da EFA Chico Mendes, situada em Conselheiro Pena-MG. A escola possui 10 períodos de alternâncias e propõe 8 temas de planos de estudo. Os primeiros dois anos tratam de temas gerais e da vivência do aluno, o terceiro ano trabalha a produção regional (em especial, café) e o quarto ano enfatiza os processos produtivos (com introdução de estágios para aprofundar a descoberta profissional).




Já o projeto pedagógico do MST soma vários autores do campo educacional (Paulo Freire, Piaget e Makarenko) e do campo das lutas nacionalistas e de esquerda na América Latina (Jose Martí e Che Guevara). Tal sincretismo teórico gera uma formulação original: nacionalismo, construtivismo, experiências revolucionárias (apoiadas na noção de “homem novo”), marxismo e fenomenologia educacionais.

Um dos autores mais citados é Paulo Freire que, mais uma vez, é apropriado de maneira original. As palavras geradoras, que em Freire significam palavras que possuem forte significado para aqueles que estão estudando (por exemplo: tijolo, para trabalhadores da construção civil) e que auxiliam no início da decodificação da palavra escrita (o alfabetizando lê o significado e, depois, o signo), transfiguram-se, no MST, em complexos temáticos. Em outras palavras, um conjunto de temas, sempre vinculados à luta pela terra, organiza os currículos.

Há, ainda, uma clara articulação de aspectos técnicos e políticos na formação que desenvolvem. Assim, o processo educacional é entendido como “arma na luta contra a opressão, instrumento moral e intelectual”, base de organização do movimento socialista e também valorização dos conhecimentos vinculados à vida no campo e formação técnica que possibilite aumento de produção e agroindustrialização.

Um “Manifesto de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária”, publicado em 1997 num jornal do MST, sintetiza os objetivos do seu projeto educacional:

Queremos uma escola que se deixe ocupar pelas questões de nosso tempo e que ajude no fortalecimento das lutas sociais e na solução dos problemas concretos de cada comunidade. (...) Acreditamos numa escola que desperte os sonhos de nossa mocidade, que cultive a solidariedade, a esperança e o desejo de aprender sempre e de transformar o mundo. Entendemos que para participar da construção desta escola nós, educadoras e educadores, precisamos construir coletivos pedagógicos com clareza política, competência técnica, valores humanistas e unidade de ação. Lutamos por escolas públicas em todos os acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária do país e defendemos que a gestão pedagógica dessas escolas tenha a participação da comunidade sem-terra e de sua organização.




Vejamos cada um dos elementos destacados no texto acima.




• Formação para fortalecimento das lutas sociais

Nos textos de orientação pedagógica do MST, esclarece-se que um dos objetivos do processo educativo é auxiliar o trabalhador a se descobrir como explorado e organizar-se para eliminar tal exploração. Para tanto, várias datas e comemorações de momentos de luta são destacados como elementos importantes da prática pedagógica: Dia Internacional da Mulher, Dia do Trabalhador Rural, Dia da Consciência Negra e Dia Internacional da Luta Camponesa (17 de abril, data em que ocorreu a morte de muitos trabalhadores rurais em Eldorado de Carajás). Outro objetivo explícito é preparar jovens para assumirem papel de técnicos e doutores, buscando transformação social rural, na construção da justiça social e da sociedade progressista. Daí a decisão de se fortalecerem escolas públicas no interior dos assentamentos e acampamentos rurais e também nas regiões onde o MST esteja presente. Não propõe a criação de um sistema educacional próprio. Também constitui e cria todos níveis formais de escolaridade: educação infantil (ainda em processo de organização), ensino fundamental, ensino médio profissionalizante, supletivo e escolas de formação para o magistério.




• Formação para a ação solidária

O professor de um assentamento ou acampamento rural é orientado para criar condições para que alunos tomem decisões e sejam responsáveis por elas. Seu plano de trabalho deve conter:

• situações de estímulo para que os alunos se organizem e trabalhem em grupos;

• situações de aprendizagem para que tomem decisões por conta própria;

• situações em que planejem e avaliem as ações no coletivo dos alunos;

• situações em que controlem o trabalho e a produtividade;

• situações em que superem os oportunismos dos colegas. Neste aspecto há uma clara inspiração nos processos de formação de lideranças de movimentos sociais.




Há, entretanto, uma evidente ênfase na formação técnica. Para o MST, a criança deve, desde cedo, se envolver com um trabalho produtivo e com política na sua proposta curricular. Por este motivo, o conteúdo educacional possui correspondência com escolas regulares ou de formação técnica e incorpora inovações como discussões diárias, de 45 minutos, sobre acontecimentos do cotidiano. Por este motivo, não desejam criar um sistema paralelo ao oficial, mas alterar sua gestão: propõem que a administração escolar seja exclusivamente da comunidade em que a escola está inserida, e o financiamento deve continuar oriundo dos recursos estatais. Outra alteração é o conteúdo curricular.




Nos documentos do movimento os objetivos formativos são claros:




Formar pessoas que sejam sujeitos, com capacidade e consciência organizativa, capazes de construir uma nova forma de conviver, de trabalhar, de festejar as pequenas e grandes vitórias dos trabalhadores, devendo estimular a livre expressão de idéias e sentimentos, com firmeza na luta em defesa dos trabalhadores e ternura no relacionamento com as outras pessoas. A escola não é apenas lugar de estudo, mas lugar de trabalho.




3. A Política Oficial: da intenção ao gesto




O Conselho Nacional de Educação aprovou, em dezembro de 2001, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Tais Diretrizes constituem-se numa referência oficial para elaboração das estratégias educacionais rurais do país. O documento apresenta princípios nítidos, que embasam o parecer final do Conselho Nacional de Educação, e que convergem com vários princípios que norteiam os projetos pedagógicos educacionais não-oficiais.




O documento inicia descartando duas concepções que são consideradas equivocadas:




• o tom nostálgico de um passado rural de abundância e felicidade;

• a adoção do mundo urbano como parâmetro e o mundo rural como adaptação.




Ainda como orientação para a definição das Diretrizes, o Conselho Nacional destaca várias orientações de Constituições Estaduais brasileiras que incorporam em seu texto a preocupação com a educação rural. São elas:

• Rio Grande do Sul: inscreve a educação rural como projeto estruturador do desenvolvimento nacional. Articula o projeto educacional ao direito ao trabalho, à terra, à saúde e ao conhecimento;

• Acre: propõe que os currículos incorporem as representações dos valores culturais, artísticos e ambientais regionais;

• Maranhão: orienta para que o calendário escolar observe as estações do ano e os ciclos agrícolas;

• Sergipe: define que as férias escolares devam coincidir com o período de cultivo

do solo.




A partir dessas orientações, o parecer do Conselho Nacional de Educação define

as seguintes diretrizes:

• A identidade da escola do campo deve ser definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (parágrafo único do Artigo 2o das Diretrizes);

• O Poder Público deve garantir a universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à Educação Profissionalizante de Nível Técnico (Artigo 3o );

• O currículo deve propiciar investigação direcionada para o mundo do trabalho e o desenvolvimento social economicamente justo e ecologicamente sustentável (Artigo 4o );

• As propostas pedagógicas devem contemplar a diversidade rural: cultural, social, política, econômica, de gênero, geração e etnia (Artigo 5o );

• O calendário escolar pode ser flexibilizado, salvaguardando os princípios da política de igualdade e orientações dispostas nos artigos 23, 24 e 28 da LDB (Artigo 7o );

• A gestão escolar deve ser democrática, constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre escola, comunidade local, movimentos sociais e órgãos normativos do sistema de ensino e demais setores da sociedade (Artigo 10).

Não obstante estas diretrizes, escolas rurais em todo país foram desativadas ou nucleadas na zona urbana dos municípios. Para piorar, levantamento recente realizado pelo Observatório da Equidade, vinculado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado pelo governo federal, indica a defasagem profunda entre a realidade educacional urbana e rural do país.

Enfim, temos no Brasil inúmeras experiências bem sucedidas de educação do campo, que respeita a lógica e a identidade cultural rural. Contudo, o Estado não as incorpora como política nacional. Desenvolve ações aqui ou acolá inspiradas nestas iniciativas. Mas não chega a adotar uma política nacional determinada a este respeito.

O erro é governamental, sem dúvida. Mas também de educadores engajados e de lideranças sociais. Nossas pautas de lutas e demandas dificilmente elegem a educação rural como ponto prioritário.

E assim, nossas crianças e jovens amargam viver num mundo cuja educação formal é sempre a do outro. Assim como nos ensinou Ciço.


Rudá Ricci é sociólogo e Doutor em Ciências Sociais; membro da executiva nacional do Fórum Brasil do Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa.

Comentários - 3
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1 EDILENE CERQUEIRA - 03-09-2008 - 23:03:18h
ED. CAMPO

ENQUANTO NAO TIVERMOS POLITICAS PUBLICAS VOLTADAS VERDADEIRAMENTE PARA O INTERESSE DO CAMPO E ESCOLAS REAIS SUBSTITUINDO OS ESPAÇOS IMPROVISADOS ESTAREMOS ALIMENTANDO A EDUCAÇÃO CITADA POR "CIÇO". PARABENS PELO ARTIGO.


2 Fabio - 13-02-2009 - 09:44:14h
Educação do Campo

A Educação do Campo, tem comentado muito sobre o MST, sendo que não é o unico que luta por uma Educação diferente para o Campo temos que aprofundarmos mais e conhecermos novas experiencias, seu artigo é de excelente e profunda analise critica e proposta cabiveis para implantar um outro modelo de Educação, Parabéns.Uma das questões que gostaria de propor é produzir textos diferentes que não citem o nome do MST para conseguirmos trabalhar melhor como as varias classes sociais do campo.Obrigada

3 Luiz Gonzaga Netto - 30-10-2009 - 11:08:09h
Professores da cidade para campo

Vejo como problema na educação do e para o campo a seleção de professores que são da cidade, e que não tem conhecimento e nem disposição para conhecer os problemas do compo nem dos movimentos populares e muito menos da educaçãopopular e chegam para trabalhar com a velha propost da educaão bancári.


É um slide com fotos da extrutura física de uma das escolas da Gleba Mercedes, zona rural de Sinop !!!



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sexta-feira, 19 de março de 2010

CLASSES MULTISSERIADAS: DESAFIO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Classe multisseriada é caracterizada na educação do campo pela reunião de um conjunto de séries em um mesmo espaço educativo. Lecionar para estas classes é um desafio para o professor que por mais que atue para atender a todas as turmas, preocupa-se com o fato de ter dado mais atenção a uma turma do que a outra; além de acumular, muitas vezes, entre outras funções, a função de inspetor de alunos, diretor e servente e também enfrentar a falta de recursos da escola. Este quadro revela a necessidade de desenvolver políticas públicas para melhorar a qualidade de ensino oferecido à clientela da zona rural.
Este curso surpreendeu-nos com o acesso à legislação específica (Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo – Resolução CNE/CEB nº1 de 03 de abril de 2002 e a Resolução nº 2 de 28 de abril de 2008) e a orientações pedagógicas para o trabalho com classes multisseriadas.
Resolução nº2, de 28 de abril de 2008 – art. 3º “A Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e de deslocamento de crianças”.
Vale a pena conferir o riquíssimo material do Programa Escola Ativa oferecido pelo Ministério da Educação no site http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoespedagogicasnovo1.pdf . Este programa tem como objetivo melhorar a qualidade do desempenho escolar de classes multisseriadas das escolas do campo orientado em pesquisas recentes com a educação do campo.
Estas informações para o professor que atua em classes multisseriadas fortalecem e enriquecem a prática pedagógica, ampliam a visão sobre educação e tornam a ação docente menos solitária. Já que é rara a oferta de capacitação para professores que trabalham com essas classes.

sábado, 6 de março de 2010

Como melhorar a Educação no campo

A Pedagogia de Alternância intercala um período de convivência na sala de aula com outro no campo para diminuir a evasão escolar em áreas rurais

A vida no campo também ensina. Esse é o preceito básico da Pedagogia de Alternância, proposta usada em áreas rurais para mesclar períodos em regime de internato na escola com outros em casa. Por 30 anos, a receita foi aplicada no Brasil por associações comunitárias sem o reconhecimento oficial. Agora, o Ministério da Educação (MEC) não apenas aceitou a Alternância como também quer vê-la ainda mais disseminada.
A metodologia foi criada por camponeses da França em 1935. A intenção era evitar que os filhos gastassem a maior parte do dia no caminho de ida e volta para a escola ou que tivessem de ser enviados de vez para morar em centros urbanos. No Brasil, a iniciativa chegou com uma missão jesuíta, no Espírito Santo, em 1969. Logo se espalhou por 20 estados, em áreas onde o transporte escolar é difícil e a maioria dos pais trabalha no campo. Os alunos têm as disciplinas regulares do currículo do Ensino Fundamental e do Médio, além de outras voltadas à agropecuária. Quando retornam para casa, devem desenvolver projetos e aplicar as técnicas que aprenderam em hortas, pomares e criações.

Até 1998, os estudantes que se formavam nessas instituições ainda precisavam prestar um exame supletivo para conseguir o diploma, mas no ano seguinte o regime foi legitimado pelo MEC. Hoje, são 258 escolas com pelo menos 20 mil estudantes em todo país - e índices de evasão baixíssimos (veja o mapa abaixo). O diretor de Educação para Diversidade do ministério, Armênio Bello Schmidt, é um entusiasta da modalidade. "Enfrentamos problemas para transportar alunos de áreas afastadas para o centro e muitas vezes eles não querem isso", diz. Schmidt afirma que mais escolas vão adotar a Alternância nos próximos anos, já que há a fila de espera por vagas.

Número de escolas de alternância no Brasil


Pé firme no campo, mas de olho na universidade

A Escola Família Agrícola Riacho de Santana, a 846 quilômetros de Salvador, aplica a Alternância de 5ª a 8ª série, com conteúdo adicional de iniciação à agricultura, à zootecnia e à administração rural. Foi isso que fez Paulo Cezar Souza Calado, 16 anos, voltar a estudar depois de ter desistido na 7ª série, há dois anos. "Eu tinha aulas no centro e perdia mais de duas horas só para ir e voltar. Não via sentido. Aqui aprendi a fazer pocilga e horta. Quero fazer um curso de técnico agrícola e trabalhar com isso", projeta.

No Centro Estadual de Educação Profissional Newton Freire Maia, em Pinhais, a 7 quilômetros de Curitiba, a maioria dos alunos demonstra interesse em ingressar na universidade - em geral, em cursos ligados ao campo. "Estamos disseminando conhecimentos agropecuários para pequenos produtores e ajudando a melhorar a vida de muita gente", entusiasma-se o diretor, Eduardo Kardush.

Na escola, os alunos alternam períodos de três semanas na instituição com uma em casa. Enquanto estão na unidade, eles têm aulas das 7h30 às 12h e das 13h às 15h. No restante do tempo, têm disciplinas como agronomia e ecologia e ajudam a cuidar dos três hectares com horta, pomar e animais. Eles também fazem tarefas nos quartos e na cozinha. "Os funcionários são os responsáveis, mas os alunos participam de tudo", diz o diretor.

Quando o dia acaba, todos se dirigem ao prédio do internato. Os dormitórios coletivos são divididos por estudantes do mesmo sexo e, preferencialmente, cidade. Os inspetores supervisionam a garotada, inclusive durante as atividades de lazer. Namoros só são permitidos com autorização dos pais por escrito.



Professores precisam conhecer a realidade do aluno

Diante de uma rotina tão distinta, o trabalho dos professores também muda bastante. A começar por um ponto básico: em uma semana por mês, as salas de aula estão vazias. É nesse período que eles elaboram seus planos de aula e projetos e, eventualmente, visitam as comunidades atendidas pela escola. "A visita é fundamental para o professor saber o que pode ou não exigir do aluno enquanto está em casa", garante Érica Cristina dos Santos, que leciona Língua Portuguesa. "Alguns lugares têm até internet e outros nem energia elétrica. É preciso sempre pensar em atividades flexíveis", diz.

A professora de Geografia Rosa Caldeira de Moura destaca a facilidade de desenvolver projetos anuais. "No ensino tradicional, os alunos tendem a dispersar, mas aqui as atividades práticas servem de fio condutor", explica. Toda vez que a turma está para voltar para casa, ela pensa em um tema que possa ser visto na prática. Um exemplo é a erosão. Ela explica o fenômeno e os riscos que ele traz, depois ensina a reproduzi-lo em um pequeno espaço da horta, retirando raízes e acrescentando água. "O pessoal faz e não esquece nunca mais", garante.

A autora do livro A Educação Rural no Brasil, Claudia Souza Passador, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), defende o uso em larga escala da Alternância, pois entende que ela valoriza o trabalho no campo. "A maioria das escolas estigmatiza o agricultor. As crianças são levadas a pensar que trabalhar na roça é para quem não tem estudo. Um erro. O conhecimento é útil em todas as áreas. O Brasil, especialmente, precisa de pessoas bem formadas para esse setor porque 80% dos municípios têm uma economia essencialmente rural", diz.

Em Goiás, a 130 quilômetros de Goiânia, Daiane Naier da Silva se tornou uma entusiasta do método. Na Escola Família Agrícola de Goiás, a alternância é de duas semanas na instituição e duas em casa. Daiane dá aula de Matemática em dois períodos e, uma vez por semana, dorme na escola em esquema de revezamento para cuidar da garotada. Para ela, isso gera um relacionamento pessoal que leva a bons resultados. "Os alunos se tornam próximos e adquirem confiança na gente", afirma.

Daiane destaca o diálogo constante com os jovens para entender seu cotidiano. Daí cria problemas com cabeças de boi e dúzias de frutas ou divisão de espaços semelhantes ao que fazem em casa. "Eles me explicaram como funciona a reforma agrária, as dificuldades que passam nos assentamentos e como fazem para contornar. Aqui a gente ensina, mas também aprende muito", conclui.

Urbano x rural

O apoio oficial à Alternância ainda gera polêmica. Há a preocupação de que o método perpetue crianças e adolescentes no campo - caso em que a Educação não cumpriria seu papel de ampliar possibilidades. Segundo o diretor de Educação para a Diversidade do MEC, Armênio Bello Schmidt, os resultados mostram o contrário. "Cerca de 70% dos alunos de Alternância ingressam no Ensino Superior. Nas escolas públicas, esse índice é inferior a 60%", garante. Mestre em Educação pela Universidade do Estado da Bahia (UEB), Neurilene Martins Ribeiro afirma que o tema precisa de mais debate antes de se tornar uma política pública. Ela estudou a rotina de escolas rurais da chapada Diamantina e tem dúvidas sobre a aplicação da Alternância. "Por um lado, nossas políticas são muito urbano-centristas e precisamos valorizar o meio rural. Por outro, esse método pode acentuar a separação entre cidade e campo", conclui.



fonte:
http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/modalidades/salvacao-lavoura-497826.shtml

Educação do Campo

EDUCAÇÃO DO CAMPO E EDUCAÇÃO URBANA: APROXIMAÇÕES E RUPTURAS









Na atualidade presenciamos um movimento em relação à Educação do Campo, que se desenvolve no âmbito dos direito. Direito de acesso, de educação com qualidade e vinculada às problemáticas sociais vividas pelos sujeitos do campo.

Esta temática entra em pauta nos debates educacionais com mais ênfase e força política a partir de 1998, com a I Conferência Nacional “Por uma Educação do Campo”. O delineamento de propostas que venham ao encontro de uma política educacional direcionada ao atendimento da “especificidade do campo” é uma decorrência das reivindicações de movimentos sociais do campo, que, naquele evento se concretizam como parte de uma luta maior, qual seja, o de um projeto popular de desenvolvimento para o campo que considere os sujeitos do campo, fortalecendo sua identidade, “(...) trata-se de uma educação dos sujeitos do campo” (CALDART, 2002), bem como, as problemáticas por eles vividas. (...) a afirmação deste traço que vem desenhando nossa identidade é especialmente importante se levamos em conta que a história do Brasil, toda vez que houve alguma sinalização de política educacional ou projeto pedagógico específico isto foi feito para o meio rural e muita poucas vezes para os sujeitos do campo como sujeito da política e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeitá-los a um tipo de educação domestificadora e atrelada a modelos econômicos perversos (2002, p.28).

As políticas educacionais para o campo se constroem ou se estruturam a partir das determinações do modo de produção capitalista, e também a partir de uma educação vista sob a ótica urbana, porque é considerada mais desenvolvida.
Atualmente, o novo modelo tecnológico, traz como conseqüência um projeto de desenvolvimento que exclui os pequenos agricultores, priorizando interesses do capital de produção em grande escala e de forma mecanizada. Segundo o que podemos perceber nos debates divulgados, “no interior do atual modelo de desenvolvimento da agricultura são produzidas tecnologias para ampliar cada vez mais a relação de dominação entre agricultura capitalista e agricultura familiar” (JORNADA DE AGROECOLOGIA, 2003).
Historicamente o campo é marcado pela exclusão e Franciele Soares dos Santos p. 69-72 EDUCAÇÃO DO CAMPO E EDUCAÇÃO URBANA: APROXIMAÇÕES E RUPTURAS Vol. 1 nº 1 jan./jun. 2006 p. 69-72 UNIOESTE CAMPUS DE CASCAVEL ISSN 1809-5208 marginalização de seus trabalhadores, devido às dificuldades sentidas e vividas pelas famílias dos agricultores. Ou seja, os povos do campo têm sofrido com o êxodo em virtude do processo de “empobrecimento da agricultura familiar” submetida à lógica do capital que conforme Duarte, “(...) reforça a estratégia de exclusão e controle das parcelas que não reúnem condições sócio-econômicas de se inserirem nos moldes empresariais de produção” (2003 p.19).

Neste sentido, as políticas educacionais para os trabalhadores do campo, tende a ser organizada numa perspectiva da educação para o capital, distante da realidade cultural, social e econômica existentes nas propriedades da agricultura familiar. Na perspectiva do capital, a educação não oportuniza a estes sujeitos condições de mudança e sim de aceitação e submissão a essa lógica excludente. De modo contraditório, é uma educação escolar adequada às exigências da cultura urbano-industrial, que principalmente a partir da segunda metade do século XIX, vem sendo proposta juntamente com a “preocupação com a expansão de escolarização das massas trabalhadoras” (Neves, 2000, p.188).


Há uma tensão que nos parece indispensável nesta discussão, que se situa justamente na relação entre campo-cidade no interior do modo capitalista de produção. Esse possivelmente seja o eixo que deverá permear a discussão sobre a educação do campo, precisamente centrada na relação que é produzida no interior do capitalismo. Saviani, discutindo o trabalho como princípio educativo, nos demonstra que, a cidade é tida como referência ao progresso e ao desenvolvimento, enquanto o campo como algo “(...) atrasado, rústico, ou pouco desenvolvido” (1994, p.152).

É neste sentido, que historicamente, o campo é considerado como inferior à cidade, principalmente porque ele acaba por subordinar-se ao capital e ser determinado por ele. De acordo com Duarte (2003), a partir de meados da década de 60, a agricultura, que antes se baseava na subsistência, sofre profundas transformações
pelo processo econômico-agrário, a qual o denominamos como Revolução Verde.



Esse processo vem adequando a agricultura à lógica do capital industrial, com implementação de políticas que visam à utilização de recursos tecnológicos para a produção agrária, tais como insumos industriais, agrotóxicos, assistência técnica, máquinas, dentre outros. Essa lógica de desenvolvimento desconsidera a realidade presente no campo a partir da ótica dos trabalhadores das pequenas propriedades, inviabilizando a sobrevivência dos pequenos produtores rurais nos seus modelos produtivos.



É principalmente por esse motivo, que o campo vivencia atualmente uma grande migração do homem do campo para a cidade, pois existe uma certa hegemonia do modelo de vida urbana caracterizando-se assim, como um dos maiores atrativos para a migração de jovens do campo. Portanto, para um projeto de educação que Vol. 1 nº 1 jan./jun. 2006 p. 69-72r>UNIOESTE CAMPUS DE CASCAVEL ISSN 1809-5208 contribua para a realidade do campo, o fortalecimento da agricultura familiar torna-se fundamental.



Segundo Ribeiro: De modo geral, pode-se dizer que não houve uma política educacional dirigida aos agricultores e seus filhos. E, quando houve, teve dois objetivos. Primeiro, a educação rural era uma estratégia de fixar o agricultor na terra, evitando que migrasse para as cidades grandes onde os empregos estavam escassos; buscava- se, com isso, manter sobre controle as tensões sociais decorrentes do desemprego.


Segundo, na educação rural estava embutido o objetivo de submeter o agricultor brasileiro a um modelo de agricultura tecnológica americana, criando a dependência da compra de sementes, de adubos químicos, de
venenos (agrotóxicos). Neste modelo estava implícito o empréstimo bancário que exigia a hipoteca da propriedade. Não podendo, ao final da safra, quitar sua dívida com o banco, muitos perdiam a terra. (2004, p.2)r>Conseqüentemente, esta lógica, institui detrimento das políticas públicas para o campo, inclusive educacionais, sendo que, as que existem apresentam principalmente um caráter do tipo compensatório. No entanto, quando o movimento Por uma Educação do Campo se inscreve na pauta de discussões sobre a educação que o campo deseja e necessita, nem sempre toma a cidade como um campo de discussão, apenas aponta a sua necessidade de educação como direito. Entendemos que a relação campo-cidade é um eixo que necessita ser considerada em suar dialeticidade, como condição de educação de qualidade para todos os brasileiros.


REFERÊNCIAS

CALDART, Roseli. Pedagogia do Movimento Sem-Terra. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.r>

CALDART, Roseli. Por uma Educação do Campo: Traços de uma identidade em construção. In.

KOLING, Edgar J., CERIOLI, Paulo, CALDART, Roseli S. Educação do Campo: identidade e políticas públicas. Brasília-DF, 2002.
DUARTE, Valdir P. Escolas Públicas no campo: problemáticas e perspectivas: Um estudo a partir do Programa Vida na Roça. Francisco Beltrão, PR ASSESOAR, 2003.

JORNADA DE AGROECOLOGIA: 2º Encontro Paranaense-ENA. Plenária dos agricultores ecologistas. Ponta Grossa, PR: Editora Gráfica Popular ltda. Maio 2003.r>

KOLING, Edgar J., NERY, Irmão, MOLINA, Mônica (orgs). Por uma Educação Básica do Campo. Nº 1. Brasília-DF, 1999.

EDUCAÇÃO DO CAMPO E EDUCAÇÃO URBANA: APROXIMAÇÕES E RUPTURAS Vol. 1 nº 1 jan./jun. 2006 p. 69-72 UNIOESTE CAMPUS DE CASCAVEL ISSN 1809-5208

NEVES, Lúcia M. Waderley. Ensino Médio, ensino técnico e educação profissional: delimitando campos. In________ (org). Educação e política no limiar do século
XXI. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

RIBEIRO, Marlene. Pedagogia da Terra: um projeto dos movimentos sociais do campo.
In: Anais do I Seminário Internacional de Educação, VIII Semana de Pedagogia: A invenção da escola e a escola da invenção. Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE-Campus de Francisco Beltrão-PR, 2004.
SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias.
In. FERRETTI, Celso João etal. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes,1994.


http://www.red-ler.org/educacao-campo-educacao-urbana.pdf